“O original de Laura” é um rascunho de Vladimir Nabokov (São Petersburgo, 22 de abril de 1899 – Montreux, Suíça, 2 de julho de 1977), considerado um dos maiores escritores da literatura universal. Ele escreveu essas fichas quando estava doente, faleceu seis meses depois por causa de uma bronquite. Bronquite adquirida por negligência médica, segundo o filho do escritor. Nabokov estava internado para fazer uma cirurgia simples e uma enfermeira não parava de espirrar no quarto, ele foi contagiado, pegou uma bactéria e foi por isso que veio a falecer.
O escritor deixou ordens expressas para que esses escritos não fossem publicados se ele não conseguisse terminá- los, mas a mulher e o filho, Vera e Dmitri Nabokov, decidiram que valia à pena. Vladimir e a esposa colecionavam borboletas, coletavam os insetos na fazenda, propriedade do casal, eram entomólogos. Na introdução do livro, o filho Dmitri conta que seu pai começou a perder a saúde em 1975, por causa de uma queda numa ladeira em Davos. Caiu e ficou imóvel, sem conseguir mexer- se. Os turistas olharam a cena e soltaram gargalhadas. Depois Nabokov pediu ajuda agitando a rede de caçar borboletas, mas as pessoas acharam que era brincadeira. E afirma que a “formalidade pode ser muito desumana”: seu pai chegou no hotel mais tarde, mancando, com a roupa suja e os empregados ainda por cima chamaram a sua atenção ao invés de ajudá- lo. O filho também conta as suas impressões de menino de quase seis anos, filho de um escritor, coisa que ele nem sabia bem o que era e que imigraram da Europa aos Estados Unidos num transatlântico. Dmitri também conta que os editores americanos não quiseram publicar “Lolita” com medo da repercussão e Vera arrancou as folhas das mãos de Vladimir, pois iria incinerá- las. Por pouco deixaria de existir uma das mais conhecidas obras da literatura mundial. Mais uma curiosidade: Nabokov detestava “Dom Quixote”, de Cervantes, ele achou o livro “tosco” e “cruel”.
O método de trabalho de Nabokov era através de fichas, em “O original de Laura” são 138 de seu punho e letra, assim vemos a labuta, o suor do escritor. No livro estão as fichas e suas respectivas transcrições. Muito interessante ver em cada ficha o processo criativo, o fluxo de pensamento, as palavras tachadas, desprezadas e as escolhidas, o fazer literário:
Laura é uma mulher de 24 anos, excessivamente magra, delicada, ela é um personagem criado por Flora. “O original de Laura” narra uma história dentro da história. Laura é sensual, meio promíscua, o alter- ego de Lolita. Ela é casada com o brilhante médico neurologista e professor de Psicologia Experimental na Universidade de Ganglia, Philip Wild, que sofre há 17 anos de uma doença estomacal humilhante. Nabokov reflete muito sobre a morte, sobre viver com doenças, ele mesmo estava passando por esse processo. Flora sofria de febre e dores e escrevia, tal como o escritor. Alguns pensamentos sobre a morte e como chegar no que há de mais puro no ser:
O estudante que deseja morrer deveria aprender antes de nada a projetar uma imagem mental de si mesmo em sua lousa interna. Esta superfície que em seu melhor estado virginal possui uma profundidade opaca mais cor ameixa escura que negra, não é outra que a cara interior das pálpebras da pessoa mesma. (p. 96)
O livro é escatológico, demasiado humano, uma radiografia do ser humano nos seus piores estados de dor e fragilidade. “Nota de Wild” (p. 136):
autoextinção
auto- sacrifício, dor
Não é um livro otimista, é triste, é como ver o ser humano se autodestruindo, caminhando até a aniquilação, a morte. O fim dessa obra inacabada, como o próprio ser humano, termina com os seguintes verbos (p.168):
eliminar- suprimir-apagar-tachar-cancelar-anular-obliterar (desaparecer)
Quem sabe (pura especulação, “achismo”) o autor tenha proibido a sua família de publicar essa obra, porque ele gostaria de ter mudado esse final. Talvez quisesse dizer que apesar de tanta dor, o ser humano poderia se recuperar, se reinventar, renascer. O que não foi possível no caso dos personagens, nem do autor.
Eu coleciono livros com “Laura” no título, é o nome mais lindo do mundo…. é o nome da minha filha.
Nabokov, Vladimir. El original de Laura. Anagrama, Barcelona, 2010. 168 páginas
Fernanda, como sempre, é adorável ler suas resenhas/reportagens. Pelo que vi aqui, a única coisa correta que eu sabia sobre Nabokov era o nome dele e que era escritor. De resto aprendi com você. Adoro esse seu dom de observar tudo isso. Parabéns por me incentivar nisso.
Um abraço grande,
Manoel
E com seus comentários sempre tão amáveis, sinto que vale à pena não desistir do blog e continuar aqui com as minhas “escrivinhações”,
obrigada!!
Estou imensamente agradecida por compartilhar das suas leituras. Suas resenhas são didáticas e instigantes. Parabéns!
Obrigada, Rosania, muito gentil!
Abraços
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Nem pense em desistir do blog!!!! Pelo amor de Deus!!! O seu trabalho de informação e resgate de alguns grandes nomes é excelente!
Não, Gerson, eu não pretendo desistir, eu tenho carinho por esse espaço e serve como memória das coisas que vou lendo. Demoro para atualizar às vezes, mas vou seguindo. Obrigada!
Fernanda, sua presença aqui é fundamental para mim. Aprendo muito com você e também aprendo com o seu modo de informar e a educação com que nos trata. Me desculpe a liberdade, mas você é um amor de pessoa. Acredite!
Um abraço,
Manoel
Muito obrigada, Manoel. Agradeço a força e fico muito feliz por você gostar do que escrevo,
feliz domingo!